quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Mário Soares não cedeu às pressões da Rússia e levou o país para a UE


No ano em que a social-democracia europeia e o império americano começa a desmoronar, a morte de Mário Soares, figura mais importante da esquerda democrática portuguesa, apresenta uma dimensão simbólica.

Nascido numa família de tradição laica e republicana, uma família que respeitava todas as tendências religiosas mas não seguia nenhuma, Soares começou a carreira circulando nos grupos comunistas antes de se afastar para criar, em 1955, o seu próprio movimento anti salazarista, a "Resistência Republicana e Socialista", protótipo do Partido Socialista que viria a fundar em 1973.

Durante os anos 1950 e meados dos 1970, Soares foi um dos principais opositores à ditadura salazarista, ao lado do presidente do PCP (partido comunista português) Álvaro Cunhal e do general dissidente Humberto Delgado. Advogou inúmeras vezes em defesa dos perseguidos pela ditadura, o que lhe custou ser preso doze vezes, além de exílios, em São Tomé e Príncipe e em Paris.

Seu regresso a Lisboa aconteceu três dias após o movimento do 25 de abril no chamado trem da liberdade, que trazia de Paris e de outras cidades europeias  outros exilados portugueses.

Mas aí acontece o que ninguém previa, o conflito entre ele e Cunhal. Cunhal defendia que Portugal deveria aliar-se a Moscou e Soares propunha uma aliança com a Europa.
Nessa "Guerra Fria instalada e com o problema dos retornados das ex-colônias a situação social, política e econômica de Portugal tornou-se insuportável e despertou o interesse da Rússia e dos países ocidentais tais como Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos seguiam de perto o desenrolar dos acontecimentos para tirarem proveito destes, cada um à sua maneira, pois afinal, Portugal apesar das dificuldades ainda era um país que pelo seu passado histórico e cultural tinha peso significativo na política mundial. Mas Mário Soares, temendo que Portugal virasse uma Albânia da vida, optou pelo convívio da Europa Liberal. O acontecimento ganhou as manchetes dos jornais do mundo.       

A VOLTA DOS EXILADOS


A volta dos exilados desencadeou uma nova sequência política marcada pelo conflito entre Soares, liderança pró-europa, e Álvaro Cunhal, pro-Moscou.



Depois de três anos intensos, marcados pelo verão quente de 1975 quando um golpe de inspiração comunista quase se concretizou, Soares triunfou, e Portugal deu início a uma das fases mais prósperas da sua história: a integração em passo acelerado à União Europeia.

Soares foi o fiador desse processo. Próximo do então presidente socialista francês François Mitterand (1916-1996) e dos ex-chanceleres alemães Willy Brandt (1913-1992) social democrata e de Helmut Kohl do partido democrata cristão, que lhe deram todo o apoio possível. Mas também recebeu ajuda de outras instituições europeias.  

FIM DO IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS

Soares ganhou o respeito de todos os países do terceiro mundo ao descolonizar às pressas todas as ex colônias africanas e asiáticas, como Macau na China, embora este país tivesse relutado em reaver aquela possessão, pois para ela, além dos portugueses serem um povo amigo, havia ainda o interesse comercial pois por ali passavam as mercadorias de exportação chinesas para o Ocidente, que àquela época, dada a ideologia comunista chinesa, dificultava ao máximo sua entrada nos países ocidentais.

Além desse respeito, ganhou também a admiração dos norte americanos por ter evitado uma nova Albânia em Portugal, onde reinava o ditador Enver Hoxha (1908-1985). Mas mantinha uma boa relação com os comunistas portugueses, pois estes continuavam a ser uma força política muito importante no novo quadro político nacional.

Com essa capacidade de negociar, Mário Soares conseguiu restaurar a confiança de um povo, apesar dos protestos da extrema direita salazarista e levar o país a bom Porto. E não foi fácil suportar a pressão dos retornados que perderam todos os seus bens nas ex-colônias e voltaram para Portugal com a roupa do corpo. Até ameaças de morte lhe foram creditadas! E são esses retornados que até hoje formam a resistência ferrenha contra sua política colonial.


A TENTATIVA DE VOLTAR À PRESIDÊNCIA EM 2006 FOI UM FRACASSO 

Em 2006, sua tentativa de regressar à Presidência aos 81 anos, o impediu de sair da política pela porta da frente. Sua campanha, dirigida aos jovens eleitores, foi ridicularizada, e o seu desempenho eleitoral foi pífio, com apenas 14% dos votos.Nesta eleição teve 14,31% dos votos válidos, contra 50,54% de Cavaco Silva e 20,74 de Manuel Alegre também do PS, que acabou resultando na vitória de Cavaco. Uma semelhança com as eleições presidenciais do Brasil, onde Marina Silva arrancou votos de Lula da Silva.

Mas esse episódio não foi suficiente para manchar seu legado.
Portugal, um dos únicos países europeus onde o neofascismo não tem prosperado, é hoje referência de estabilidade política num continente tumultuado com a volta dos socialistas ao poder, depois do governo do PSD de Passos Coelho, um político assumidamente liberal. 

O socialista, Antônio Costa, conseguiu fortalecer  uma aliança histórica com os comunistas e outros partidos de esquerda e com isso está encerrando o conflito aberto depois da Revolução dos Cravos, criando um panorama otimista para um país que em 1974 foi herdado por Mário Soares  
num estado de calamidade militar, social e política.


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